segunda-feira, 28 de setembro de 2009

OUTRAS SEQUELAS: PETER PAN


A propósito da sequela de Winnie-the-Pooh, já falada aqui e aqui, lembramos outro “clássico adaptado à continuidade”, não há muito tempo: Peter Pan e o Feitiço Vermelho, título dado pela Presença a Peter Pan in Scarlet, de Geraldine McCaughrean, editado no final de 2006. O texto publicado na Notícias Magazine – com declarações dadas por e-mail pela escritora inglesa – está na página do Scribd, disponível para leitura ou download. Aqui fica uma parte. Aviso que contém efeito plot spoiler:

O feitiço, o feiticeiro e o fio solto

Estamos em 1926, a década do charleston e do champagne. Os Rapazes Perdidos têm agora profissões respeitáveis e fazem parte do Clube dos Cavalheiros, embora por vezes sonhem com piratas e peles-vermelhas. Wendy Darling podia ter sido uma das corajosas sufragistas inglesas, mas J.M. Barrie guardou-a em casa e ainda lhe deu o trabalho das limpezas da Primavera na Terra do Nunca. No entanto, anos depois, é ela quem pressente que algo de errado se passa e que é altura de todos se juntarem para um regresso urgente. Todos, salvo Michael, morto nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial (tal como, na vida real, George Llewelyn Davies, um dos cinco irmãos «adoptados» pelo escritor).

Mas como voltar à Terra do Nunca, quando se deixou de ser uma criança alegre, inocente e descuidada – o segredo de voar segundo Mr. Barrie? A autora de Peter Pan e o Feitiço Vermelho tem outros truques. Encontrar pó-de-fada não chega, é preciso vestir uns números abaixo. «Toda a gente sabe que, quando vestimos roupas de disfarce, nos tornamos outra pessoa. De onde se conclui que, se vestirmos roupas dos nossos filhos, ficamos outra vez da idade deles.» É assim que John, Wendy, Tootles, Slightly, Curly e os Gémeos regridem no tempo, deixando para trás o mundo dos adultos. Só Nibs não conseguiu despedir-se dos filhos e desistiu da viagem.

Geraldine McCaughrean faz desta ideia – trocar de roupa equivale a uma troca de identidade – um tema estruturante da narrativa e repeti-lo-á até ao fim. Não só o fato verde de Peter Pan foi substituído por uma túnica de penas e folhas de tons vermelho-escarlate, como toda a Terra do Nunca se «vestiu» de cores outonais, rubras e assustadoras (de onde o título original, Peter Pan in Scarlet). As descrições de um território devastado, submerso em névoas e águas pestilentas, cheias de carcaças (ou espinhas?) das antigas sereias, são pouco menos do que brilhantes e abrem o apetite para a já anunciada adaptação ao cinema. Outra criação interessante de McCaughrean é o mestre de cerimónias do circo Ravello, «um miasma lanudo de pontas soltas», personagem encantadora, melíflua, mas que esconde – literalmente – algo na manga.

Peter Pan e o Feitiço Vermelho é a história de uma aventura à maneira dos últimos exploradores da Terra, homens como Scott, Amundsen ou Hillary (Scott era, aliás, amigo de J.M. Barrie, e Geraldine McCaughrean retoma o tema da exploração do Pólo Sul num dos seus últimos livros, The White Darkness). Com o mapa do tesouro encontrado no navio-fantasma do Gancho, liderados por Peter, os heróis lançam-se numa demanda que os conduz a mil e um acontecimentos e reviravoltas. Ravello juntar-se-á ao grupo. Todos ficam sem fôlego, incluindo o leitor. Pode ser um pouco cansativo, às vezes.

Do navio vem também a sobrecasaca de brocado vermelho do malogrado capitão. Peter Pan, que continua egocêntrico, vaidoso, caprichoso e insolente (certas coisas nunca mudam…), irá usá-la durante todo o percurso, até descobrir que sucumbiu a um feitiço terrível idealizado por Ravello… Que não é outro se não Gancho, depois de ter passado anos em digestão ácida na barriga do crocodilo. É um twist bem achado, mas fica por explicar como é que o veneno que matou o crocodilo e alastrou pela Terra do Nunca não matou o próprio Gancho. A fantasia não dispensa a sua lógica e esta é uma ponta solta no novelo de uma história bem urdida.

O confronto entre os dois arqui-inimigos e a derrota de Ravello/Gancho, que adormece agarrado à sua Taça do Colégio de Eton, com a ajuda de um beijo de boas-noites de Wendy, é um final quase apoteótico, e quase tudo o que vem a seguir é dispensável. Mas Geraldine McCaughrean quis ser mais generosa com os adultos do que J.M. Barrie alguma vez o foi. O regresso a casa faz-se em tom de reconciliação entre as mães e os seus meninos perdidos. «Ainda a entrarem para os seus carrinhos de bebé afeitos ao mar, no Recife do Pesar, já as mães tinham começado a polir maneiras e a escovar as roupas.» Rapazes, a brincadeira acabou…

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