terça-feira, 31 de maio de 2011

MAU COMEÇO


“Mafalda Moutinho decidiu-se pela literatura juvenil por pensar que seria mais fácil para começar.” (in Notícias Magazine, 29/5/2011). Começa assim o artigo de três páginas sobre a autora da colecção Os Primos. Um mau começo, porque gerador de tremendos equívocos – o pior dos quais é a convicção generalizada de que a literatura para crianças e adolescentes é essa coisa vulgar e desinteressante que qualquer um consegue fazer. Às vezes pergunto-me quantas pessoas escrevem para crianças guiadas pela presunção ilusória da facilidade, quando no fundo desejariam escrever romances "sérios" e integrar o catálogo da Quetzal. A ser verdade, é melhor decidirem-se a trabalhar e pararem de contar historinhas a si próprios.

domingo, 29 de maio de 2011

CAFÉ E RESISTÊNCIA


Produzido em 1984, o anúncio da Nescafé passou repetidamente ao longo das décadas de 1980 e 90, deixando no ouvido o hit de Johhny Nash: I can see clearly now, the rain is gone/ I can see all obstacles in my way… Quem o viu, não esquece. É de madrugada, ouvem-se as gaivotas na praia, o rumor das ondas amassado com uma voz de rádio, imperceptível. Uma rapariga estaciona o Carocha branco nas dunas, desliga as luzes, cruza os braços sobre o volante, suspira fundo e fica ali a pensar na vida, e nós a pensarmos com ela. Pensamos num desgosto de amor, porque é isso que mais aflige aos 17 anos, mas pode ser outra coisa – nada assim tão grave que supere ter um Carocha e a liberdade de ir ver o mar enquanto a família dorme, pensamos nós, aos 12 anos. A rapariga é bonita, mas não excessivamente; é um tipo de beleza suave e instintiva que passou de moda, tal como o blusão de ganga e o corte de cabelo escadeado que se despenteia com o vento. O saco cheio de tralha com o Nescafé, o porta-luvas desarrumado onde remexe, à procura da resistência para aquecer a água, tudo compõe um desalinho que nos comove e consola, à luz do amanhecer. É evidente que ela vai fazer as pazes com o namorado; ou então vai mesmo dar-lhe com os pés, ao cafajeste. Não há mal que sempre dure enquanto houver uma resistência à mão, n’est-ce pas? Custa a crer que nem a rapariga nem a praia nem o anúncio sejam portugueses, mas isso só o sabemos agora e, de qualquer modo, ela já partiu para outra.

(Texto publicado na edição de 29 de Maio da Notícias Magazine, revista de domingo do Diário de Notícias e Jornal de Notícias, na secção "Nostalgia".)

quinta-feira, 26 de maio de 2011

GATO MALABARISTA


Sou um gato de pêlo preto
e de olhos tão brilhantes,
que no meio da escuridão
até parecem diamantes!
Ao telhado gosto de subir,
danço nas telhas sem cair.
Gosto de dormir em frente à lareira,
mas não posso com os cães
mais a sua barulheira!
Se tentam dar-me uma coça,
dou-lhes três voltas nos focinhos,
caio de patas numa poça
e deixo-os encharcadinhos!
Sou o maior fã dos novelos de lã,
mas também aprecio uma boa maçã!
Sou um gato vadio,
mas também sou requintado:
como filete e bebo leite,
de laço e guardanapo.
Sou guloso e também habilidoso.
Gosto de pregar partidas
e de coisas divertidas.
Sou malabarista,
malandro e trocista.
Num dia de Abril,
levaram-me para o gatil,
para fugir dali,
as minhas patas
transformaram-se em mil!
Tornei-me agente secreto
e, de garras afiadas,
vigio os malfeitores
nas noites assombradas.
Se o inimigo anda à solta,
tenho de o apanhar,
pois não sabemos os sarilhos
que ele pode arranjar…
Quando precisarem de mim,
só têm de me chamar:
apareço-vos do nada,
de patas para o ar!
Miauuuu!

(E depois do auto-retrato da Rainha Só, eis o do gato, feito pelos alunos do 5º A do Centro Helen Keller, em Lisboa. Está bestial. Parabéns!)

terça-feira, 24 de maio de 2011

SOU UMA RAINHA SÓ, IÔ!


Sou uma rainha só
e vivo num mundo à parte;
numa torre, vivo sozinha,
rodeada de luxo e arte.
Como sou uma menina,
uso coroa pequenina;
de vestido azul e verde,
ando sempre bem vestidinha.
Quando me olho ao espelho,
o meu sorriso brilha,
assim como os meus olhos,
que são da cor da ervilha.
Sou rainha, sou vaidosa;
só, mas grandiosa.
Para me rir, é uma grande cena!
Faço-me cócegas com uma pena.
Quando choro, tomo banho
de lágrimas no meu jardim
e perfumo-me com rosas e jasmim.
É também aqui que gosto de comer doces,
principalmente pudim.
Gosto de café Nespresso,
mas só se for em excesso,
enquanto faço tricô
na terra que o meu pai me deixou!
Sou uma rainha só, iô!
Sou uma rainha só, iô!

(Os alunos da Turma 5º E, do Centro Helen Keller, em Lisboa, fizeram uma canção para a Rainha Só em versão rap. Foi um dos trabalhos mais criativos e originais a que já assisti numa escola. Adoro o texto e revejo-me totalmente neste auto-retrato. Lindo!)

domingo, 22 de maio de 2011

RECOLHIMENTO, INTERACTIVIDADE, DÚVIDAS


A segunda edição do workshop de Livro Infantil para a Booktailors tem-me deixado pouco tempo para actualizar o blogue. C’est la vie. Jornais e revistas lidos com uma ou duas semanas de atraso são consequência habitual da acumulação de “urgências”, coisa que sempre fiz sem remorsos ou sentimentos de culpa. Com atraso, pois, mas porque o assunto ainda vai no adro, vale a pena pensar nas palavras de Manuel Alberto Valente, editor da Porto Editora, ao Expresso da semana passada, que provocaram alguma turbulência nas minhas indómitas rugas de expressão.

Referindo-se às novas plataformas e edições digitais, Manuel Alberto Valente considera que «“esta interactividade vai ser perfeita tanto para livros de divulgação científica como para a literatura infantil”. Não crê, porém, que seja aplicável às obras de ficção: “A verdadeira literatura exige um recolhimento que não se compadece com distracções acessórias.»

Ora bem, haverá talvez nuances nestas declarações sintetizadas, mas creio que temos de reflectir muito sobre as benesses da interactividade na literatura infantil. Arrisco dizer: se existe área que justifique reflexão e mais do que um mero “ir na onda”, é justamente esta.

É preciso distinguir, primeiro, o livro infantil da literatura infantil. No que toca ao livro didáctico e informativo (atlas, livros de conceitos, livros de alfabetos, livros sobre arte ou ciência, etc), é evidente que existe um amplo espectro de intervenção para tirar partido do potencial de comunicação e aprendizagem dos suportes digitais – e é desejável que surjam bons produtos que acrescentem algo ao livro tradicional. Tenho mais dúvidas no caso de obras de ficção, sejam a Alice no País das Maravilhas ou a colecção de Álvaro Magalhães. Quer dizer: quantas vezes é que um miúdo tem vontade de esticar e diminuir o pescoço da Alice ou fazer qualquer outra brincadeira com o IPad até perceber que aquilo não o leva muito longe? Os bons leitores, isto é, os leitores empenhados, que reconhecem e incorporam para toda a vida o poder transformador da literatura, formam-se “nesse recolhimento que não se compadece com distracções acessórias”, como afirma Manuel Alberto Valente. Por que razão havemos de negar às crianças essa exigência e submetê-las à ditadura do lúdico? (por favor, não me digam que elas é que mandam…).

Hoje, é quase impossível para um miúdo passar horas a ler um livro, no mais absoluto silêncio e solidão. Desgraciadamente. Sabemos que as novas tecnologias da informação estão a mudar radicalmente o processo orgânico pelo qual lemos e percebemos (e, sobretudo, não percebemos) o mundo à nossa volta, mas convém usar algum bom senso. A organização de estímulos e de informações a que hoje as crianças e pré-adolescentes se sujeitam (telemóveis, televisão, videojogos, downloads, internet, facebook, messenger…) assemelha-se, como diz Ken Robinson em O Elemento, à autêntica gestão de um império. A questão é: como vamos ensiná-las a governá-lo? Ou melhor: como vamos ensiná-las a governarem-se a si mesmas?

LULU FAZ DAS SUAS

Obrigada, José Fanha.

XUMBIANTE OU XIMBIMPANTE

Um texto esclarecedor sobre Manuel António Pina, Prémio Camões 2011, para ler no blogue A Inocência Recompensada.

O QUE PENSA UMA CRIANÇA DEPOIS DE LER?

Na entrevista concedida à Lusa, Violante Saramago Matos, filha de José Saramago e da pintora Ilda David, explica as razões que a levaram a escrever – e ilustrar – um livro para crianças. E chama a atenção para o que entende serem duas particularidades intrínsecas a esta produção literária. O primeiro tem a ver com a necessidade de criar “uma linguagem sedutora”, que contribuirá para a construção (ou afastamento) do leitor; mas parece-me que essa ambição se pode aplicar a qualquer forma de literatura. O segundo aspecto é muito mais específico e remete para a dimensão político-ideológica dos livros para crianças, coisa que muito boa gente não imagina ou prefere não imaginar que exista:

«A outra responsabilidade – prosseguiu – “é exactamente aquilo que se escreve, porque a criança não refila connosco, não diz ‘não estou de acordo, isso é um disparate, por isto, aquilo ou aqueloutro’. O adulto faz isso. Quando discutimos um livro, ou uma opinião, nós somos capazes de contra-argumentar. A criança, por princípio, é uma esponja e, portanto, ela vai absorver. Por isso, tem de se ter muito cuidado com o que se lhe diz”.»

O Quinas Ganha Nova Casa, título do livro, foi publicado pela editora 7 Dias, 6 Noites. Seria óptimo poder vê-lo no site, nem que fosse só para conhecer a capa. Os excertos mais significativos da entrevista podem ser lidos aqui.

terça-feira, 17 de maio de 2011

O JARDIM DE ALAIN DE BOTTON


Mais ou menos há seis anos, num hotel da baixa de Lisboa, entrevistei Alain de Botton para a Notícias Magazine, a pretexto do livro Status Ansiedade (Dom Quixote). No início, vi o caso mal parado: levava mais de vinte perguntas e as primeiras quatro foram respondidas com uma rapidez monossilábica assustadora. Entre dentes, perguntei ao assessor de imprensa se Alain de Botton tinha sido informado de que se tratava de uma entrevista de fundo, pensada para seis ou sete páginas (bons tempos), dado que estava a responder como se pensasse que ia ser reduzido a três ou quatro parágrafos. Feitos os esclarecimentos, a entrevista fluiu, sem chegar a transformar-se numa conversa, como às vezes acontece em casos de empatia fácil. Guardei de Alain de Botton a imagem de uma pessoa inteligente, erudita, simpática, bem-educada e bastante formal. Não tive coragem de lhe pedir para autografar um dos livros que levava comigo, Las Consolaciones de la Filosofia (O Consolo da Filosofia), o primeiro que li dele. Durante algum tempo, talvez pela perturbação do arranque, convenci-me de que tinha feito uma péssima entrevista, mas o tempo e a distância relativizaram as coisas. No outro dia, ao vasculhar nos meus arquivos, reli-a e apeteceu-me trazer esta passagem para O Jardim Assombrado. Não é preciso explicar porquê.

“CMA: Voltaire falou do terramoto [de 1755] em Cândido ou o Optimismo. E no fim ele diz mais ou menos isto: apesar de tudo o que nos acontece ou não nos acontece, apesar de todos os «ses», o que é preciso fazer é «cultivar o nosso jardim». Qual é, ou como é o seu jardim?
AB: O meu jardim são os meus livros, obviamente. O que é a jardinagem? É uma tentativa de mudar qualquer coisa para melhor, de aperfeiçoar, de plantar flores bonitas – mas é também uma pequena parte do mundo. É como se Voltaire reconhecesse a necessidade de esforço e de trabalho, mas também os limites do que podemos mudar. Talvez só possamos mudar um pequeno espaço, um jardim, e talvez isso esteja certo. É uma visão da vida modesta e, ao mesmo tempo, ambiciosa.”

(Publicado na edição de 24 de Abril de 2005 da Notícias Magazine, revista de domingo do Diário de Notícias e Jornal de Notícias. Fotografias de Paulo Alexandrino.)

segunda-feira, 16 de maio de 2011

ADMIRÁVEL MUNDO ANTIGO


Em 1957, quando a Agência Portuguesa de Revistas lançou Maravilhas do Mundo II, a Praça de São Marcos e o Palácio dos Doges ainda não eram sítios a evitar por quem tem um pingo de fé na raça humana. Meio século depois, pensamos em Veneza e invade-nos um prenúncio de angústia e náusea, provocadas pelo pulsar de milhões de máquinas fotográficas a disparar em uníssono, embaladas num turbilhão de línguas e sorrisos circunstanciais. É assim em Veneza, na Catedral de Notre-Dame, no Mosteiro de Montserrat, no Taj Mahal, no Coliseu de Roma ou perto de qualquer «criação assombrosa do espírito e da mão do Homem», como então exaltava o editorial. A ideia de um vai e vem de barcos turísticos passando por baixo das pernas do Colosso de Rodes, à espera do ângulo exacto à sua brônzea privacidade, só não acontece porque o desgraçado há muito se precipitou no mar, vítima de terramoto. Valha-nos isso. Olhamos para estes cromos e sentimos a nostalgia de um mundo estranhamente despovoado, que se agudiza no primeiro álbum, dedicado às «maravilhas naturais da crosta terrestre». Aqui, são sobretudo as palavras que fazem ressurgir devaneios próprios da infância, quando nomes como os Penhascos Monstruosos de Jabalpur ou os Alcantilados da Heligolândia pareciam conter mais aventuras do que a própria ficção. «Súbitas e violentas tempestades põem em risco de morrer geladas as pessoas mais robustas», lia-se, no cromo do Mar de Gelo. E crescia pelo corpo um arrepio de medo que hoje nos deixa felizes, se o conseguirmos recuperar.


(Texto publicado na edição de 15 de Maio da Notícias Magazine, revista de domingo do Diário de Notícias e Jornal de Notícias, na secção "Nostalgia". Informação adicional: no original espanhol da Editorial Bruguera não havia cromos de «maravilhas portuguesas naturais». A Agência Portuguesa de Revistas acrescentou-lhe o Vale das Furnas, nos Açores, a Cabeça da Velha, na Serra da Estrela, e a Ilha da Madeira.)

domingo, 15 de maio de 2011

POR QUE É QUE ESCREVE?

«Essa é a pergunta fatal. Aquela a que não se pode responder com sinceridade.» (Lídia Jorge, ontem, no penúltimo dia da Feira do Livro de Lisboa, durante o encontro Vida d’Escrita, onde também estiveram Mia Couto, Mário de Carvalho e, no papel de moderador, o jornalista do JL, Luís Ricardo Duarte).

ÁRVORES, POR MANUEL ANTÓNIO PINA


"São seres silenciosos que, a nosso lado, partilham quotidianamente a mesma única vida, a sua e a nossa vida. Mal damos por elas, as árvores, tão comum e familiar é a sua antiquíssima presença perto de nós, e tão anónima. A maior parte das vezes pouco mais somos capazes de dizer do que «árvore», ou «árvores», porque também as nossas palavras se foram, pouco a pouco, tornando silenciosas. E, no entanto, cada árvore, como cada um de nós, é um ser absoluto e irrepetível, idêntico apenas mutantemente a si mesmo, uma vida única com uma história única, um passado para sempre atado, de forma única, ao nosso próprio passado."

(Do prefácio de Manuel António Pina para o livro À Sombra de Árvores com História, dos mesmos autores do blogue Dias Com Árvores: Paulo Ventura Araújo, Maria Pires de Carvalho e Manuela Delgado Leão Ramos. Foi editado pela associação de defesa do ambiente Campo Aberto, em 2004. Fotografia de Guto Ferreira, no Jardim Botânico do Porto.)

sexta-feira, 13 de maio de 2011

MANUEL ANTÓNIO PINA: NOTÍCIAS DA CIDADE FELIZ


Por causa dos humores do blogger, que andou em baixo nas últimas 48 horas, O Jardim Assombrado não pôde dar os parabéns a Manuel António Pina, vencedor do Prémio Camões 2011. Não que isso tenha importância alguma. O importante é o rasto de felicidade que esta notícia deixou em quem vive no “país das pessoas de pernas para o ar”, tentando vislumbrar uma luz constante sob o céu plúmbeo. Não sei se Manuel António Pina, poeta e cronista (vindo da escola do jornalismo, não um pato-bravo de rumo volúvel e nidificação previsível), é também “o maior autor da nossa literatura infantil”, como afirmou Osvaldo Silvestre ao Público (e Álvaro Magalhães, e Luísa Ducla Soares, e António Torrado?, e…). Mas é, com certeza, um dos grandes no meio de “gigões e anantes”. Paradoxalmente, os superlativos são sempre redutores: desviam o olhar do pormenor da descoberta e remetem-nos para a superfície distraída dos consensos. De resto, também os superlativos não têm importância alguma, salvo a consequência oportuna da reedição (espera-se) de alguns livros difíceis de encontrar – por exemplo, pela extinta Campo das Letras. Foi um prémio absolutamente merecido para alguém que disse, não sei onde nem quando e cito de memória, que “já cá temos bons escritores, o que precisamos é de boas pessoas”. As crianças, com o seu sentido intuitivo de justiça, são capazes de concordar. Muitos adultos, também. Nos livros de Manuel António Pina encontramo-nos para um acordo possível e temporário. Está tudo certo.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

DOIS CASOS PATOLÓGICOS DA EDIÇÃO



Quintino Tristão Gaiola é uma personagem e tanto: «Sempre foi muito trabalhador, de sol a sol, e gosta das grandes filas de trânsito porque tem tempo para ouvir canções inteiras e para ver muitas pessoas com o dedo no nariz. Gostava de ter um nome diferente, mas tem de viver com o que lhe deram. Pensando bem, os pais podiam ter escolhido um ainda pior. Não sabe qual, mas havia muito por onde escolher. Gosta de ser bom colega, mas as pessoas com quem trabalha não gostam nada que ele leia o jornal por cima dos ombros delas. Ao menos que o peça emprestado ou que compre um. As notícias continuam a ser as mesmas.»

Se gostou de Quintino Tristão Gaiola também poderá gostar de Zacarias Januário Beringela, Jeremias Ildefonso Cabecinhas ou Felício Anastácio Calhau. E mais 4092 personagens com nomes e hábitos que não lembram ao diabo. As páginas «partem-se» em três, mistura-se, volta-se a dar e surge uma nova personagem, um novo nome e respectivo B.I.. É o tipo de gente que parece que conhecemos muito bem, mas não sabemos de onde. Desejaríamos não os conhecer, se calhar. Temos dúvidas morais, porque não podem ser tão maus quanto isso. Por outro lado… não sei.

(Com textos de José Jorge Letria e ilustrações de André Letria, De Caras é um dos últimos lançamentos da Pato Lógico Edições, conforme noticiámos aqui. Estrambólicos repete a fórmula, mas em criaturas bizarras. Lembram-se do Animalário Universal do Professor Revillod, da Orfeu Mini? É isso.)

quarta-feira, 11 de maio de 2011

OUTROS JARDINS ASSOMBRADOS




As minhas desculpas aos leitores pela monotonia que se abateu neste blogue, mas nos últimos dias tenho frequentado obsessivamente outros jardins. De Frances Hodgson Burnett, O Jardim Secreto (1911), agora numa nova tradução de Maria de Lourdes Guimarães; e de Philippa Pearce, autora inédita entre nós, creio, Tom e o Jardim da Meia-Noite (1958), que um respeitável crítico inglês qualificou como a mais importante obra de literatura infantil na Inglaterra do pós-guerra. A tradução foi entregue a Ana Teresa Pereira, escritora que também tem um fraco por contos de fadas enigmáticos e personagens masculinas com o nome “Tom”. Ambos saíram recentemente pela Relógio d’Água.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

CURSO DE LIVRO INFANTIL: QUASE A COMEÇAR

De hoje a uma semana, começa a segunda edição do pequeno curso sobre Livro Infantil (18 horas, para ser mais exacta) que concebi para a Booktailors, destinado a estudantes, professores, bibliotecários, educadores, pais e outros mediadores da leitura junto das crianças, ilustradores, livreiros e todos os que gostam e se interessam por livros para crianças, em geral. Decorre em horário pós-laboral, das 18h30 às 21h30, ao longo de seis sessões, até 1 de Junho. Ainda há dois ou três lugares. Informações, programa e inscrições aqui.

domingo, 8 de maio de 2011

ENGLISH BY THE RECORD


A sigla AFHA quer dizer «Atrai», «Facilita», «Habilita» e «Agrada». Os autores do método, modestamente apresentado como não sendo «obra de um homem só», fizeram questão de explicitar que os ingleses «eram um povo de acção», e a sua língua idem: «Nenhum outro idioma expressa qualquer acção de uma forma mais concisa, prescindindo de considerandos, sem arabescos mentais ou preconceitos emocionais», advertiam. Pobres de nós. Ouvindo a voz de Mr. Fair (Sr. Justo) nos discos de 45 rotações, percebia-se logo que o professor virtual não era para brincadeiras. Vestido como o homem da Regisconta, chegava à porta e dizia: «Hallo. I’m Mr. Fair». Ao que o aluno virtual, um portuga calmeirão que nos livros se reduzia a uma silhueta negra sem nome, sendo tratado pela «criada» por «menino», respondia: «Ah! O senhor é o professor da AFHA?» E assim começava a aula. Mr. Fair punha e dispunha. Na lição nº 2, no papel de convidado, vemo-lo a queixar-se de que a sopa está tasteless, enquanto despeja o saleiro no prato. Depois, tortura uma criança com perguntas infindáveis («What is this? What is that? Where is the picture?»), para mais à frente mostrar os seus princípios educativos: «Como preferes os teus morangos, com vinho ou com sumo de laranja?». Por favor. A catraia tem para aí uns cinco anos! Isto é tanto mais ultrajante quando se sabe que Mr. Fair não toma vinho às refeições. Só bebe água ou leite, o sonso. Que fazer com um professor assim? Obviamente, demiti-lo. Prescindindo de «considerandos» e com todos os «preconceitos emocionais» a que temos direito.

(Texto publicado na edição de 8 de Maio da Notícias Magazine, revista de domingo do Diário de Notícias e Jornal de Notícias, na secção "Nostalgia".)

sábado, 7 de maio de 2011

A ARTE DE PERDER


One Art, de Elisabeth Bishop

The art of losing isn't hard to master;
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster.

Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn't hard to master.

Then practice losing farther, losing faster:
places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.

I lost my mother's watch. And look! my last, or
next-to-last, of three loved houses went.
The art of losing isn't hard to master.

I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn't a disaster.

Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan't have lied. It's evident
the art of losing's not too hard to master
though it may look like (Write it!) like disaster.


(Ilustração de Cristiana Cerretti para o livro Ascolto, Guardo, de Cosetta Zanotti, Edizioni Lapis, 2009. Com um abraço para a Paula Jacinto Cusatti.)

sexta-feira, 6 de maio de 2011

UMA COLECÇÃO A NÃO PERDER


Francisco Vaz da Silva, professor universitário e investigador do Instituto de Estudos de Literatura Tradicional - IELT (não confundir com o editor da Bags of Books, com quem, por coincidência, partilha o mesmo nome), é o autor de uma nova colecção que tem tudo para tornar-se referência no campo dos contos tradicionais, contos maravilhosos ou contos de fadas – designação abrangente para um género universal, sem começo nem fim, que continua em permanente reinvenção no cinema, na publicidade ou na literatura. Gata Borralheira e Contos Similares estará à venda nas livrarias a partir de 20 de Maio, numa edição Temas & Debates/Círculo de Leitores. Seguem-se Capuchinho Vermelho Ontem e Hoje (Setembro) e Mulheres de Outro Mundo – Fadas e Serpentes (Novembro). Já em 2012, sairão, pela seguinte ordem: Matadores de Dragão, Princesas Resgatadas; A Bela e o Monstro – Contos de Encantamento; A Morte Madrinha, Polegarzinha e Outros Contos; Branca de Neve e suas Irmãs. Mais informação sobre o autor, enviada pela editora:

“Francisco Vaz da Silva é professor no Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL) e investigador no Instituto de Estudos de Literatura Tradicional (IELT) da Universidade Nova de Lisboa. Faz parte do comité redactorial da revista especializada Marvels & Tales (EUA) e leccionou cursos sobre contos maravilhosos em várias latitudes, nomeadamente na Universidade da Califórnia em Berkeley, na Universidade da Islândia e no Programa em Teoria da Literatura da Faculdade de Letras de Lisboa. Os sete volumes de Contos Maravilhosos Europeus espelham trinta anos de trabalho e explorações neste domínio.”

quinta-feira, 5 de maio de 2011

GATO LEITOR

O Radar, pensativo, depois da leitura do último livro de Luísa Ducla Soares, Um Gato Tem 7 Vidas. Ele sabe.

INQUIETAÇÕES DOMÉSTICAS


É impossível folhear o livro de Pablo Prestifilippo sem que imediatamente surja à memória o genial e inclassificável Catalogue d’Objets Introuvables, de Jacques Carelman, publicado em 1969. Se Carelman nos apresentou à máquina de escrever hieróglifos, à luva de pele de cacto e à cafeteira para masoquistas, entre dezenas de outras criações insubmissas, Pablo Prestifilippo revolucionou a orgânica dos objectos domésticos emprestando-lhes um cunho selvagem e ameaçador, que justifica o subtítulo da obra: Catálogo de Objectos Travessos – Toda a Verdade Sobre as Feras que nos Espreitam Lá em Casa. As «luvas ambulantes», as «camas doidivanas», as «torneiras ressentidas» e as «dentaduras postiças» são disso exemplo: «Este bivalve bucal fixa-se às gengivas e estabelece uma relação de mútua colaboração com o organismo que o aloja, geralmente um avô ou uma avó». Na verdade, não há nada de perigoso nestes delírios poético-surrealistas, a menos que se encare o humor como uma ameaça. Para quem é o livro? Como outros da mesma chancela da Kalandraka, recomenda-se para o leitor juvenil e adulto, sem que tal seja uma prescrição exacta.

Catálogo de Objectos Travessos
Pablo Prestifilippo
Tradução de Elisabete Ramos
Faktoria K de Livros

(Texto publicado na edição da LER nº 102. Pablo Prestifilippo nasceu na Argentina, em 1960. Deixou mais de três dezenas de livros da sua inteira autoria, antes de morrer em Barcelona, com apenas 48 anos.)

quarta-feira, 4 de maio de 2011

GATOS E ESCRITORES


A minha amiga MLC enviou-me o link para o blogue Weimar Art, que contém uma das mais interessantes selecções de fotografias de escritores e gatos; não só pela qualidade e originalidade das imagens (algumas nunca tinha visto), como pelo pormenor de juntar o nome do felino ao do seu tutor. De onde se prova que os bichos, na maior parte dos casos expostos, acolheram – que remédio – as designações das personagens ou dos livros dos autores. Exemplos: George Bernard Shaw, Pygmalion; Jorge Luis Borges, Aleph; Julio Cortázar, Bestiario; Mark Twain, Huckleberry; Patricia Highsmith, Ripley; Allen Ginsberg, Howl (Ok, se alguém pensou em chamar Uivo ao seu gato, não foi o único). Com os resultados que se conhecem, alguns nomes revelam também as obsessões, digamos, menos saudáveis dos escritores, como o Junkie de William S. Burroughs ou o Daddy de Sylvia Plath. Há ainda um punhado de escritores-filósofos que baptizaram os felinos inspirando-se directamente nos temas e conceitos das obras: Jean Paul Sartre, Nothing (Rien, presume-se, porque o blogue é de lingua inglesa); Albert Camus, Stranger; Michel Foucault, Insanity; Jacques Derrida, Logos. Na fotografia acima, em estado de graça, um dos maiores "cat lovers" de sempre: Edward Gorey, com Harp, Brown e companhia na casa de Cape Cod, EUA, onde estivemos há uns anos. Estão todos aqui: vejam.

terça-feira, 3 de maio de 2011

COMO ESCOLHER LIVROS PARA CRIANÇAS


Depois da estreia na Cabeçudos, no dia 12 de Março, esta acção de divulgação, pensada para um público generalista que escolhe e compra livros para crianças, repete-se na Livraria Letraria, em Miraflores, Lisboa. Seguem-se mais informações. Apareçam. É já no próximo domingo.

«Posso comprar bons livros para crianças por menos de dez euros?». «Um livro com ilustrações é para que idade?». «Que livro dou a uma criança que faz anos, mas não conheço?». «A minha filha não gosta de ler, que faço?». «Para quê dar livros que falem sobre a morte, se a vida já é difícil?».

Estas são algumas das dúvidas que passam pela cabeça de quem entra numa livraria e se dirige à secção infantil, sozinho ou com crianças. O que deve ser uma experiência emocionante pode transformar-se numa perda de tempo, paciência e dinheiro. Mas escolher um livro é algo demasiado importante para ser deixado ao acaso. As boas histórias falam ao ouvido emocional da criança, por imagens e por palavras. Vale a pena investir tempo, sentido crítico e sabedoria de vida nessa escolha. Durante uma acção de três horas, vamos falar de critérios que ajudam a seleccionar livros por idades, interesses, personalidades, temas, autores, editoras e outros tópicos. E, claro, vamos mostrar dezenas de livros. Porque quem não sabe, é como quem não lê.

Destinatário: Pais, educadores e público adulto em geral
Data e horário: domingo, 8 de Maio, das 10h30 às 13h30
Local: Livraria Letraria - Dolce Vita Miraflores - Loja 0.06
Contacto: 21 410 5580
Preço: 20 €
Duração: 3 horas

QUATRO LIVROS PATOLÓGICOS




No próximo sábado, dia 7, na Feira do Livro de Lisboa, a Pato Lógico vai lançar quatro novos títulos, dois deles com texto e ilustração de André Letria – e os outros dois repetindo a dupla benfiquista de Domingo Vamos à Luz, Letria-pai e Letria-filho, com o qual não ganharam o campeonato mas ganharam um belo prémio em Espanha, conforme noticiámos aqui.

SOB O SIGNO DO FANTÁSTICO



Cristina Carvalho, autora da novela O Gato de Upsalla (Sextante), lançou um novo conto ilustrado por uma portuguesa (Alcobaça, 1986) estabelecida em Londres, que tem aqui o seu primeiro livro na área da literatura infanto-juvenil: Miz Lucas. A edição é 7 Dias 6 Noites. Quase ao mesmo tempo, acaba de sair A Casa das Auroras (Planeta), um romance imbuído do lirismo gótico de Cristina Carvalho, a julgar pela sinopse que nos acaba de chegar: “Uma jornalista chega a uma pequena aldeia da zona oeste, perto do mar, com o intuito de escrever uma peça sobre duas mulheres que terão vivido juntas em determinada casa da aldeia, conhecida como A Casa das Auroras. Encontra um velho, um miúdo e um cão, que a orientam para a dita casa, que tem fama de assombrada desde há muito e que é a mais antiga do lugar.”

segunda-feira, 2 de maio de 2011

CORRESPONDÊNCIAS, 1




“La nature est un temple où de vivants piliers
Laissent parfois sortir de confuses paroles;
L'homme y passe à travers des forêts de symboles
Qui l'observent avec des regards familiers.”

(Fotografia de Guto Ferreira meets Correspondances de Baudelaire meets Na Noite Escura de Bruno Munari.)

ENCONTOS E ENCONTROS NO INSTITUTO PIAGET

Nicolás Buenaventura Vidal, contador de histórias de origem franco-colombiana, foi uma das sensações das últimas “Palavras Andarilhas”. Vamos poder vê-lo e ouvi-lo no dia 9 de Junho, ao fim da tarde, no campus universitário de Almada do Instituto Piaget. Trata-se de um espectáculo aberto ao público em geral que surge na sequência de uma acção de formação sobre o tema dos contadores. Esta decorrerá no dia 28 de Maio, em duas sessões distintas, orientadas por Maria Teresa Meireles, investigadora na área dos contos tradicionais (“Conto, contadores e imaginário tradicionais”, assim se designa a acção), e Mafalda Milhões, livreira da Histórias com Bicho (Óbidos), contadora e mediadora de leitura, cuja formação se subordina ao tema “Intimidades na leitura”. As inscrições para a formação dos "Encontos e Encontros" de dia 28 custam 30 euros e as entradas para o espectáculo de 9 de Junho custam cinco. Informações pelo telefone 212 946 263.

OS CONTOS E OS MEDOS


A partir de hoje e até 13 de Maio, estão abertas as inscrições (gratuitas) para a acção de formação “Os Contos e os Medos”, uma proposta que a agrega a leitura em voz alta de um conjunto de histórias com o pensamento teórico na área da psicologia, explorando o tema dos medos no universo do desenvolvimento infantil. A formação decorre no dia 17 de Maio, das 10h00 às 17h30, na Biblioteca do Entroncamento (Tel. 249 720 400). A formadora é Ana Mourato, psicóloga educacional, mestre em Educação e Leitura e pós-graduada em Livro Infantil (e dinamizadora do projecto Ouvir o Falar das Letras). Recomendamos!